
Apesar de todo o ecletismo que o caracterizou, há que ter em conta que muito do que o clube deu à cidade passou pelas actividades (ditas) amadoras. Estou certa que se juntassem todos os troféus do clube, estas teriam mais recordações que o próprio futebol. É claro que não se compara uma Taça de Portugal a um campeonato de Xadrez em infantis. Mas mesmo assim, apostaria num somatório de triunfos muito maior nas amadoras do que no futebol profissional.
E, quanto a mim, a razão principal para o descalabro iminente, é precisamente isto. Todas as actividades viveram à pala do futebol. E da mesma forma, estavam condicionadas ao que aquilo que o Clube de Futebol ditava para elas.
Recordo-me do Andebol. Que se não me engano, chegou a ombrear com os clubes da primeira linha na divisão principal. E (por artes mágicas) teve de ver a sua secção encerrada. O Basquetebol, das décadas de 80-90 (antes da criação da sociedade desportiva Aveiro-Basket) que tantas alegrias conseguiu trazer ao velhinho pavilhão do Alboi. Mais uma vez, a mão de um Houdini qualquer decidiu que, a bem do clube, aquela secção teria de ir para "banho-maria", renascendo uns anos mais tarde, partindo do zero e, nos dias de hoje, disputando um campeonato onde "já dói". Havia uma secção de Patinangem. Havia uma secção de Boxe. Apareceu o Futsal. Há um Judo. Triatlo. Paintball e Bilhar. Mas, factor eternamente comum, um Clube de Futebol a mandar em tudo o que é amador.
Mesmo tratando-se de actividades com algum retorno financeiro, havia que pagar sempre o "imposto" ao desporto-rei. E enquanto el-Rei dispusesse e teimasse em confundir a colectividade com apenas a tribo do "chuto na bola", não haveria grandes hipóteses das amadoras se afirmarem de pedra e cal como irmãos do mesmo pai. Foram sempre vistos como enteados ou primos afastados. De orçamentos irrisórios, à falta de comunicação e percepção de tudo o que se estaria a passar à volta, eis que el-Rei se depara com uma situação estranha: não tem herdeiros directos. E não havendo herdeiros, e estando a instituição que o alimenta moribunda, não tardará a dar o "triste pio" e levar consigo um cortejo de carpideiras atrás.
O Beira Mar, ao contrário do que muita gente pensa, nunca foi, não é nem nunca será apenas o futebol. Provavelmente, em consequência dos divórcios e clivagens provocadas com as amadoras, está o clube a passar pelo que passa. Sempre se viu o Futebol do Beira Mar como a encarnação do próprio clube, e aqui, quanto a mim, residiu a razão principal deste cancro galopante que se avizinha pouco auspicioso.
Poderão, claro está, apontar razões de ordem financeira. O Futebol tem mais visibilidade, o futebol aufere de rendimentos superiores, ou outra razão qualquer. Até podem dizer que o futebol atrai mais gente...
Atraía! Se nos referirmos às enchentes ou a molduras bem compostas no velho Mário Duarte, concordo em absoluto. Mas também concordará o leitor que, insucesso atrás de insucesso, nem um estádio novo poderá servir de engôdo para o que quer que seja. Pessoalmente, acho que mais do que um virar de costas da cidade para com um clube, houve um desgaste. Dos grandes. Depois de tanto se dizer e pouco fazer, depois de ano após ano se lutar para não descer, ou lutar para subir, ciclicamente num movimento de sobe-e-desce, sem projecto a médio-longo prazo sustentado e coerente com os orçamentos reais da colectividade, as pessoas fartaram-se.
O clube é o principal culpado da situação. Não atirem pedras a quem vos estendeu a mão, quem vos financiou durante anos, porque, temos ao lado, clubes com um orçamento infinitamente menor que continuam vivos.
Sou de opinião que agora é tarde para chorar. Ao menos que - a morrer - morra com dignidade. Como a cidade merece. E em honra de todos aqueles que suaram as vossas camisolas. Fossem profissionais ou amadores.